Você sabia que é possível reconhecer o tempo de atividade de aeronauta como “especial” para fins de aposentadoria?
QUEM SÃO OS AERONAUTAS?
Os aeronautas são os profissionais designados para “exercer uma função a bordo de uma aeronave durante o tempo de voo” (definição da ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil), ou a “pessoa encarregada pelo operador aéreo de cumprir as funções a bordo da aeronave durante o tempo de voo” (definição do Decreto nº 7.168/2010). Mais especificamente definidos pela Lei nº 7.186/1984, temos os tripulantes da aeronave: comandante, copiloto, mecânico de voo, navegador, radio operador de voo e comissário. Também são considerados tripulantes os operadores de equipamentos especiais instalados em aeronaves homologadas para serviços aéreos especializados, devidamente autorizados pelo Ministério da Aeronáutica.
O que estes profissionais tem em comum, além da paixão por voar? O que os coloca em posição de enquadramento no direito a uma aposentadoria especial?
A aposentadoria especial é um benefício previdenciário previsto constitucionalmente para proteger o segurado que exerça sua atividade profissional sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. Estas condições especiais são caracterizadas pela exposição a agentes químicos, físicos e biológicos ou associação desses agentes. Um exemplo é a exposição a ruído acima do limite de 85 decibéis, fundamento do enquadramento como especial da atividade dos aeroviários (os trabalhadores que exercem serviços em terra para as companhias aéreas, como os mecânicos de manutenção de aeronaves).
Este benefício, até 13/11/2019, era concedido ao segurado que tivesse trabalhado sob condições prejudiciais à sua saúde ou integridade, durante 15, 20 ou 25 anos conforme definição da legislação em relação ao agente agressivo. A exposição ao ruído acima do limite, por exemplo, daria direito à aposentadoria ao 25 anos de atividade especial, sem idade mínima, tanto para homens quanto mulheres.
Após a EC nº 103 de 13 de novembro de 2019, a aposentadoria especial ganhou regras de aquisição mais rígidas. Para os segurados que ingressarem no RGPS depois de 13/11/2019 será necessário comprovar:
“o exercício de atividades com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, durante, no mínimo, 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, nos termos do disposto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, quando cumpridos:
a) 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 15 (quinze) anos de contribuição;
b) 58 (cinquenta e oito) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 20 (vinte) anos de contribuição; ou
c) 60 (sessenta) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 25 (vinte e cinco) anos de contribuição;“
Para os segurados que já estavam filiados ao RGPS antes da EC nº 103/19, há uma regra de transição pela qual devem comprovar:
Que suas atividades tenham sido exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, na forma dos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, se o total da soma resultante da sua idade e do tempo de contribuição e o tempo de efetiva exposição forem, respectivamente, de:
I – 66 (sessenta e seis) pontos e 15 (quinze) anos de efetiva exposição;
II – 76 (setenta e seis) pontos e 20 (vinte) anos de efetiva exposição; e
III – 86 (oitenta e seis) pontos e 25 (vinte e cinco) anos de efetiva exposição.
E SE O AERONAUTA NÃO COMPROVAR OS 25 ANOS DE EFETIVA EXPOSIÇÃO AOS AGENTES AGRESSIVOS?
Mesmo que o segurado não comprove os 25 anos de atividade especial, se o tempo especial pode ser convertido em tempo comum para fins de aquisição de direito a outra aposentadoria. Imagine um segurado com 30 anos de atividade total em que 13 anos tenha sido exercido sob exposição de ruído acima do limite definido na legislação. Esses 13 anos (exercidos até 13/11/2019 por força de alteração trazida pela EC n° 103/19) podem ser convertido em tempo especial, pelo índice de 1,4, totalizando 18,2 anos. Esse tempo somado aos 17 anos comuns resultam nos 35 anos de tempo de contribuição (tempo mínimo exigido para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição do homem). Aí depende de quando esse tempo de contribuição foi atingido para enquadrar sua situação nas regras de aposentadoria. Se até 13/11/2019 será direito adquirido às regras anteriores à EC nº 103/19. Se após essa data, o direito dependerá da análise específica de cada segurado nas regras de transição, que envolvem idade mínima ou pedágio ou atingir a quantidade de pontos.
MAS ESSA APOSENTADORIA ESPECIAL É CONCEDIDA AUTOMATICAMENTE NO INSS, NA VIA ADMINISTRATIVA?
Aqui está a dificuldade enfrentada por estes profissionais no reconhecimento do direito à aposentadoria especial.
Os Aeronautas, enquanto categoria profissional, estavam enquadrados na legislação especial até 28.04.1995, sendo inclusive permitida a conversão do período de atividade especial em comum na base 1,40 para homens e 1,20 para mulheres, em decorrência do trabalho perigoso.
Mas com a alteração da legislação após essa data, o reconhecimento da insalubridade depende da comprovação à exposição ao agente agressivo, através da apresentação de laudos ou PPPs fornecidos pelos empregadores.
Afinal, qual o agente agressivo a que os aeronautas estão expostos?
Qual o ponto em comum entre comandantes, copilotos, mecânico de voos, navegadores, radio operadores de voo e comissários? É o ambiente de trabalho, ou seja, o interior das aeronaves. Os agentes agressivos à saúde aparecem tanto em grandes altitudes quanto nas rotinas de decolagem e pouso.
Não estamos falando em perigo. Os agentes agressivos podem ser muitos, a maioria bem conhecida quando se fala em medicina aeronáutica, cuja importância tem relação não apenas à saúde destes profissionais, mas à segurança de tripulantes, passageiros e até das pessoas residentes nas rotas de voo das aeronaves.
Os aeronautas geralmente recebem a GRATIFICAÇÃO DE COMPENSAÇÃO ORGÂNICA, cujo pagamento pode ser verificado nas anotações em CTPS, ficha de registro de empregados, ou recibos de pagamento, conforme o artigo 18 da Lei n.º 8237/91: “Art. 18. A Gratificação de Compensação Orgânica é destinada a compensar os desgastes orgânicos consequentes das variações de altitude, das acelerações, das variações barométricas, dos danos psicossomáticos e da exposição a radiações resultantes do desempenho continuado das atividades especiais seguintes: I – voo em aeronave militar como tripulante orgânico, observador meteorológico, observador aéreo e fotogramétrico; (…) VI – controle de tráfego aéreo.”
“A jornada dos aeronautas caracteriza-se por um sistema de esquemas irregulares de trabalho e os profissionais que fazem viagens internacionais estão também expostos aos cruzamentos de fusos horários, gerando mudanças em seus ciclos biológicos, o que altera os processos fisiológicos. As jornadas de trabalho irregulares atuam negativamente não só no seu corpo, como também em sua vida familiar e social, e os sistemas coercitivos de algumas empresas e a convivência com o perigo iminente geram ansiedades, influenciando o funcionamento de processos orgânicos.
Os aeronautas, ainda pela característica de sua atividade profissional, estão expostos continuamente a variáveis externas, tais como: redução na concentração de oxigênio do ambiente, baixa qualidade do ar, diminuição na pressão atmosférica, baixo teor de umidade no interior do avião, efeitos das radiações ionizantes e das não ionizantes, presença de ruídos constantes na cabine, vibrações, efeitos das forças de aceleração, cinetose e dessincronização dos ritmos circadianos durante as viagens transmeridionais.”[1]
É POSSÍVEL O RECONHECIMENTO DA ATIVIDADE DE AERONAUTA EXERCIDA APÓS 28/4/95 COMO ESPECIAL NA VIA JUDICIAL
A boa notícia é que a quantidade de aeronautas obtendo reconhecimento judicial vem crescendo, com decisões na jurisprudência dos tribunais.
Aqui uma decisão do TRF3:
E M E N T A PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONDIÇÕES ESPECIAIS – AERONAUTA. CONSECTÁRIOS. I. O reconhecimento do tempo especial depende da comprovação do trabalho exercido em condições especiais que, de alguma forma, prejudique a saúde e a integridade física do autor. II. O autor esteve submetido ao fator de risco “pressão atmosférica”, previsto no código 1.1.6. do Decreto 83.080/79 o que permite o reconhecimento da natureza especial das atividades. III. Viável o reconhecimento das condições especiais de 08.01.1987 a 25.05.1988, de 15.10.1988 a 15.12.2006 e de 16.12.2006 a 31.05.2009. IV. A correção monetária será aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação superveniente, de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, observados os termos do julgamento final proferido na Repercussão Geral no RE 870.947, em 20/09/2017, ressalvada a possibilidade de, em fase de execução do julgado, operar-se a modulação de efeitos, por força de decisão a ser proferida pelo STF. V. Os juros moratórios serão calculados de forma global para as parcelas vencidas antes da citação, e incidirão a partir dos respectivos vencimentos para as parcelas vencidas após a citação. E serão de 0,5% (meio por cento) ao mês, na forma dos arts. 1.062 do antigo CC e 219 do CPC/1973, até a vigência do CC/2002, a partir de quando serão de 1% (um por cento) ao mês, na forma dos arts. 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN. A partir de julho de 2.009, os juros moratórios serão de 0,5% (meio por cento) ao mês, observado o disposto no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, alterado pelo art. 5º da Lei n. 11.960/2009, pela MP n. 567, de 13.05.2012, convertida na Lei n. 12.703, de 07.08.2012, e legislação superveniente, bem como Resolução 458/2017 do Conselho da Justiça Federal. VI. O percentual da verba honorária será fixado somente na liquidação do julgado, na forma do disposto no art. 85, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, ambos do CPC/2015, e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da sentença (Súmula 111 do STJ). VII. Apelação do INSS parcialmente provida. (APELAÇÃO CÍVEL ..SIGLA_CLASSE: ApCiv 5001384-70.2017.4.03.6183 ..PROCESSO_ANTIGO: ..PROCESSO_ANTIGO_FORMATADO:, ..RELATORC:, TRF3 – 9ª Turma, e – DJF3 Judicial 1 DATA: 01/08/2019 ..FONTE_PUBLICACAO1: ..FONTE_PUBLICACAO2: ..FONTE_PUBLICACAO3:.)
O STJ confirmou, em junho de 2019, uma “decisão que reconheceu a atividade do aeronauta como especial em período posterior a 1995, devido ao fato de o requerente ter comprovado que esteve exposto a atividade nociva no ambiente de trabalho de forma permanente. O colegiado entendeu que, apesar da revogação do artigo 148 da Lei 8.213/1991 – o qual concedia aposentadoria especial para categorias específicas –, com a edição da Lei 9.032/1995, ainda é possível caracterizar a atividade de aeronauta como especial, desde que comprovada a exposição a atividade nociva, insalubre ou perigosa de forma permanente, não ocasional, nem intermitente.” Em seu voto, o relator do recurso, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, além de reafirmar o entendimento do tribunal de origem, ressaltou a importância do profissional aeronauta, o qual “assume responsabilidades superiores àquelas do trabalhador comum, pois é o indivíduo principal na segurança dos voos e dos passageiros”.
Para o relator, as diversas mudanças na legislação não impedem que o aeronauta solicite o benefício, pois o artigo 57 da Lei 8.213/1991 assegura expressamente o direito à aposentadoria especial ao segurado que exerça sua atividade em condições que coloquem em risco a sua saúde ou a sua integridade física. “O fato de os decretos não mais contemplarem a categoria do aeronauta como atividade especial não significa que não seja mais possível o reconhecimento da especialidade da atividade, já que todo o ordenamento jurídico hierarquicamente superior traz a garantia de proteção à integridade física do trabalhador”, ressaltou Napoleão Maia Filho. ” (Fonte: Notícias do STJ de 25/6/2019)
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[1] Moraes, Maria Suzana de. “Proposta para o monitoramento da saúde de aeronautas por meio de marcadores bioquímicos e hematológicos” – Tese de Mestrado apresentada à Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, 2001. Pg. 27.